O extraordinário legado da Escola Pitagórica
Jacir Venturi*
Incomensuráveis são os méritos atribuídos a Pitágoras, embora se trate de figura imprecisa historicamente, uma vez que nada deixou escrito. As primeiras referências a esse monumental legado datam de 100 anos após sua morte, em torno de 497 a.C., e devem-se a Filolaus, que nos repassou o que aprendeu com um dos discípulos de Pitágoras. Mais tarde, também Platão fez menção aos seus ensinamentos – não se referindo à pessoa física, mas à Escola Pitagórica. Mais recentemente, o filósofo e matemático Bertrand Russell o classificou como “um dos maiores homens de todos os tempos”. Pitágoras nasceu na ilha de Samos, na região então conhecida como Ásia Menor, e durante 30 anos percorreu Egito, Babilônia, Síria e, possivelmente, Pérsia e Índia, locais onde acumulou ecléticos conhecimentos em geometria, aritmética, astronomia, filosofia, misticismo e religião. Por muitos anos permaneceu no Egito, onde se fez sacerdote para melhor entender os ritos e religiosidades. Por volta de seus 50 anos, retornou à terra natal e, indispondo-se com um governante tirano, decidiu emigrar para Crotona, na Calábria, região do sul da Itália, de dominação grega. Ali se estabeleceu, aglutinando uma plêiade de mais de uma centena de membros, formando o que alguns historiadores honrosamente classificam como a primeira universidade do mundo, ficando conhecida como Escola Pitagórica. Suas atividades se viram, desde então, envoltas por um véu de mitos e lendas, notabilizando-se por séculos como uma irmandade intelectual e espiritualista. Politeísta e mística, nela preponderava uma espécie de sincretismo religioso, incluindo a crença na imortalidade da alma, cujo aperfeiçoamento ocorreria através de sucessivas reencarnações. No dia a dia, realizavam-se práticas de purificação e elevação moral através de uma vida ascética, austera, devoção à obediência, à lealdade, aos segredos da Escola e pelo combate à preguiça e à cólera. Seus aforismas perpassam os séculos pelos valores que ensejam, e peço licença para recitar dois deles: “Com organização e tempo encontra-se o segredo de fazer tudo e tudo fazer bem” e “Ajuda teus semelhantes a levantar a carga, mas não a carregues”. Os estudos de aritmética, geometria, música e astronomia eram, por sua vez, as formas de purificação da mente. E, para purificar o corpo, os membros abstinham-se de beber vinho e comer carne. Daí ser improvável a versão de que Pitágoras teria comemorado a demonstração do teorema que leva o seu nome com a matança de 100 bois. A propósito, a palavra “hecatombe” provém dessa lenda (do grego hecaton, que significa “cem”) e chegou até nossos dias significando, em seu sentido figurado, “carnificina” ou “grande derramamento de sangue”. E, ainda a respeito do teorema, se coube a Pitágoras o mérito da demonstração, por outro lado essa relação entre a soma dos quadrados dos catetos com o quadrado da hipotenusa em um triângulo retângulo já era conhecida dos babilônios, chineses e hindus alguns séculos antes. A palavra “matemática” surgiu com os pitagóricos (mathematikós, em grego), com a concepção de um sistema de pensamento em bases dedutíveis, e deles advém o conhecido aforisma de que “a matemática é o alfabeto com o qual os deuses escreveram o universo”. Até então, a geometria e a aritmética tinham um caráter utilitário, intuitivo, fulcrado em problemas práticos, sendo fruto dos pitagóricos a classificação dos números em pares, ímpares, primos e racionais (estes são todos os números que podem ser representados na forma de fração). Conta uma das tantas lendas que grande celeuma se instalou entre os pitagóricos em virtude da irracionalidade da raiz quadrada de 2. Como explicar um triângulo retângulo cujos catetos são iguais a 1, e o resultado da hipotenusa seja um número não admitido por eles? Para eles, os números tinham preceitos místicos e, mesmo assim, um ousado discípulo chamado Hipasus de Metapontum propôs uma solução para o problema, admitindo números fora do espectro dos racionais. O que aconteceu com o infeliz? Foi atirado ao mar, pois estavam em um navio quando se confrontaram. Narrativas fatídicas à parte, também dos pitagóricos advêm estudos sistematizados de alguns poliedros e polígonos regulares, sobre proporções, números decimais e a seção áurea ou divina. Na astronomia, os pitagóricos cristalizaram a ideia de que há uma ordem que domina o cosmo (termo também cunhado por eles, que em grego significa “harmonia”) e que as leis que regem o universo podem ser expressas por relações matemáticas. Pela observação atenta dos astros, admitiram teorias inovadoras para a época, a despeito de nem sempre serem precisas: declararam que a Terra seria esférica e distinguiam as estrelas dos planetas, que se moviam em órbitas circulares ao redor da Terra. A Escola Pitagórica representa um dos importantes marcos da humanidade, pois a despertou para o sublime prazer de pensar, que culminou com o retumbante pensamento cartesiano cogito, ergo sum. E, nesse espírito, não me contenho e peço licença para concluir com mais dois ensinamentos atribuídos a Pitágoras: “Não é livre quem não consegue ter domínio sobre si” e “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”.
*Jacir Venturi é membro do Conselho Estadual de Educação e coordenador da Universidade Positivo.
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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019
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