O Poder Judiciário e o encanto da política
Francis Augusto Goes Ricken*
Em tempo de ativismo judicial, membros destacados e holofotes sobre ações do Poder Judiciário, nada mais conveniente do que tratar do impacto dessas ações na política brasileira. Acredito que diversas pessoas foram pegas de surpresa pela indicação e aceite do ex-juiz Sérgio Moro para o cargo de “superministro” da Justiça e Segurança Pública do futuro Governo Bolsonaro. O magistrado finalmente deixou clara suas posições e se “manifestou fora dos autos”, dando o tom de sua postura política.
Não duvido da capacidade de Sérgio Moro como magistrado, como pessoa ou como futuro ministro, mas coloco em destaque uma atitude pouco republicana de aceitar um cargo de Ministro dentro do Governo do principal adversário de quem Moro decretou a prisão meses atrás. Se não parece agora, algum dia pode parecer que tal decisão afeta o equilíbrio de poderes e o resto de sistema republicano que temos.
Estamos deixando de lado nossos princípios republicanos mais básicos, assim como pressupostos de nosso texto Constitucional, em detrimento de “um bem maior”. Deixamos de lado garantias e direitos individuais, em detrimento de uma delação bem feita; deixamos de lado a postura de isenção de nossos membros do Poder Judiciário, em detrimento de ações contra a corrupção; deixamos a crítica de lado, quando vemos um magistrado deixar a toga em prol do bem da nação. Repito, no dado momento, isso tudo parece muito nobre, isso tudo parece a proteção a “um bem maior”, mas em breve podemos perceber que estamos colocando em xeque nosso sistema constitucional.
Talvez não tão “grandioso”, mas no mesmo sentido, tivemos algumas alterações dentro no regimento interno do Conselho Nacional de Justiça, que assim como o exemplo anterior, parecem defender um “bem maior” em prol do pleno funcionamento da instituição, mas em dado momento poderão se transformar em problemas.
O CNJ surgiu com a emenda constitucional nº 45/2004, situação extremamente importante para a organização do Poder Judiciário e para a efetivação do texto constitucional de 1988. Em tempos de contestação da ordem constitucional, o CNJ sempre foi proativo e fundamental para que o Poder Judiciário fizesse sua autocrítica e uniformizasse seus posicionamentos em prol de uma humanização constante.
Foi o CNJ o responsável por posicionamentos enfáticos e importantes sobre nepotismo, irregularidades no Poder Judiciário e orientações disciplinares de seus membros, que visaram ao cumprimento da Constituição Federal. Em sua história de mais de 13 anos, se tornou fundamental para que o Poder Judiciário pudesse cumprir sua função constitucional, foi crítico, enfático, organizado e se sustentou dentro desses parâmetros. Fazendo figura de linguagem com obra literária, foi mastro para o Poder Judiciário em mar repleto de sereias, e meu desejo é que permaneça desta forma por longos anos.
Exceto se passar de peça de autocrítica e de cumprimento das regras constitucionais para ser órgão político, encantado pelas sereias de voz doce e delirante. Digo isso pela alteração realizada no regimento interno do CNJ, promovido pelo presidente, ministro Dias Toffoli.
O CNJ fez alteração quase imperceptível ao regimento, mas que pode ter reflexos importantes para o futuro do Conselho. A revogação da quarentena para membros do CNJ para participar de escolhas internas nos tribunais pode colocar os membros do CNJ amarrados nas suas decisões para que possam ser indicados posteriormente a posições de destaque dentro de Tribunais. Não coloco em suspeição aos membros do CNJ, mas me pergunto se o Conselho continuará a tratar de forma isenta todas as decisões delicadas que costuma tratar, para não se indispor posteriormente com escolhas políticas dentro dos Tribunais que seus membros poderão usufruir.
Além disso, destaco a possibilidade de manutenção dos conselheiros por mais um mandato, uma tomada de decisão que pode afetar a postura atual do CNJ. Sabemos que a perpetuação de membros cria uma situação de conforto político capaz de afetar sua tomada de decisão. Como disse, o CNJ não toma decisões confortáveis.
Talvez minha postura seja atrasada em tempos de Poder Judiciário moderno, mas me causa muita estranheza que tanta modernidade possa surgir em um momento em que a prudência e a constância de nossas instituições serão nossas únicas garantias para o futuro.
*Francis Augusto Goes Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor do curso de Direito da Universidade Positivo.
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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
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